Conto, com a Reitora
A educação em queda livre
A sucessão de notícias desastrosas da educação brasileira, ao invés de provocar um efeito transformador no seio de nossa sociedade, tem surtido efeito contrário: uma sensação paralisante, de impotência tem nos levado a uma letargia total. Mal terminamos o ano e as estatísticas vêm mostrar a quantas andam o ensino no Fundamental I e no Fundamental II, que visa atender respectivamente nossas crianças e adolescentes. Na Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA-2016), divulgada no final de outubro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), mais da metade dos estudantes acima dos oito anos (faixa etária de 90% dos avaliados) permanece em níveis insuficientes de leitura, ou seja, nos níveis 1 e 2 (elementares).
O levantamento revela que mesmo tendo passado por três anos de escolarização, parte considerável dos 2.206.625 alunos avaliados apresenta níveis de proficiência insuficientes para a idade e não consegue, por exemplo, interpretar e localizar informações específicas em textos científicos ou de outros gêneros, como lenda e cantiga folclórica. Além disso, tem dificuldade para reconhecer a linguagem figurada em poemas e tirinhas. O estudo mostrou também que 54,46% deles têm problemas para fazer contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir, e não conseguem interpretar gráficos, figurando, portanto, nos níveis 1 e 2 (elementares).
Os números da ANA corroboram os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (da sigla em inglês, PISA) publicado no final de 2016. De 70 países analisados, o Brasil aparece em 63ª lugar em ciências, 59ª em leitura e 66ª em matemática.
Qualquer semelhança entre os dados do PISA e ANA e o que temos observado no nível dos ingressantes às universidades não é mera coincidência: se antes vinham com alguma dificuldade, agora chegam menos preparados ainda no que diz respeito a conteúdos e habilidades fundamentais ao curso/profissão que escolheu. Nas áreas de humanas, a capacidade de o aluno ler, entender e sintetizar a ideia central de um texto e transmiti-la a alguém é sofrível . Esses seriam os elementos básicos que um aspirante ao ensino superior teria de ter para continuar a abrir seus horizontes no que diz respeito às competências e habilidades na ciência ou carreira a seguir.
Mal caem os dados na mídia e começam as conjecturas para saber quem é culpado por eles. O Governo responde com o discurso de sempre e programas paliativos, os pais correm a culpar governos e professores, os professores levantam suas bandeiras para denunciar as péssimas condições da labuta docente e a sociedade se faz de surda-muda, afinal, isso nada tem a ver com ela. E aos poucos outras prioridades passam a tomar conta da vida, que segue tranquila até os próximos números.
Os professores são, de longe, os menos responsáveis por essa calamidade. Veem-se obrigados a se virar para suprir as péssimas condições de trabalho, a falta de infraestrutura e as salas com número excessivo de alunos; os baixos salários os obrigam a trabalhar em duas/três instituições para complementar a renda; e o tempo das atividades extraclasses, como preparar aulas, corrigir trabalhos e provas, etc., nem sempre é levado em conta.
Não bastasse, a violência se tornou rotina em diversas instituições do País, em parte porque muitas famílias delegaram à escola o papel de educar seus filhos para a vida. Eles não apenas terceirizaram a educação como se julgam no direito de tomar satisfação do professor e da instituição de ensino quando o filho é repreendido no ambiente escolar. Segundo pesquisa divulgada no final de setembro pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), as agressões, verbais e físicas, a professores da rede estadual de ensino do Estado aumentaram nos últimos três anos. As mais frequentes são agressão verbal (44%), discriminação (9%), bullying (8%), furto/roubo (6%), agressão física (5%).
Sem a cooperação de todos os envolvidos, será impossível reverter o quadro desolador de nosso ensino. O mesmo PISA mostra que países que investem bem menos que o Brasil em educação têm resultados muito melhores, o que sinaliza um problema de falta de prioridades na gestão da verba disponível. Por outro lado, há de se repensar que não é mera coincidência que a falência na educação começou a partir da adoção da progressão continuada.
Os teóricos que a defendem dizem que tem uma razão de ser, que é o não desestímulo do aluno, para que não se sinta punido. No Estado de São Paulo, a progressão continuada − sem os pressupostos imprescindíveis para superar as dificuldades na aquisição de habilidades e competências básicas por parte dos discentes (média de 25 alunos por sala, com o professor auxiliar para acompanhar os alunos com dificuldades psicopedagógicas) – contribui para o aumento do número de analfabetos funcionais. Os professores que resistem a esse esquema são punidos e ameaçados.
Outra providência urgente é rever a tal política de metas para as escolas de ensino fundamental com vistas simplesmente a colocar o Brasil em melhor posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e, assim, obter empréstimos a juros mais baixos. Mecanismos institucionais que fazem com que o aluno consiga chegar a um determinado nível, não importando o grau de conhecimento adquirido nesse percurso, têm como objetivo atender estatísticas e metas, ou seja, em nada refletem responsabilidade, seriedade com a educação.
Falar do que precisamos para que o País atinja excelência em educação rende muita conversa, mas bons exemplos não faltam. No Japão, país sempre entre os primeiros colocados em rankings internacionais, os alunos participam inclusive da limpeza do espaço escolar. Aqui, se alguma escola se atrever a adotar uma ação nesse sentido, correrá o risco de ser processada sob acusação de trabalho infantil.
Só com educação de qualidade será possível colocarmos o País rumo ao crescimento e desenvolvimento sustentáveis. O nível de nossos governantes e a total falta de indignação contra o grau de desmando e corrupção que tomaram conta de nosso País, somados à má gestão dos recursos públicos deixam claro o que acontece quando faltam políticas sérias e comprometimento de toda a sociedade para uma educação de excelência.
Reitor Prof. Dr. Pe Edelcio Ottaviani
São Paulo, 13/11/2017
Profª. Drª. Karen Ambra
Reitora do Centro Universitário Assunção