Conto, com a Reitora
Fazer de cada dia do novo ano um dia de Natal!
No ano litúrgico da Igreja católica, tão logo passada a festa da Epifania, termo que significa “o que de mais sagrado é revelado ao mundo” (epí = acima de tudo; phanós = divino/sagrado), inicia-se o chamado tempo comum. É um período dedicado ao aprendizado e à realização daquilo que Jesus nos propõe. Por isso, a cor verde ligada a ele, cor da esperança, do desejo de manter a vida latente, pulsante, em cada dia do novo ano, mesmo nos momentos mais gélidos ou sombrios, como exprimia o verde, circundando a chama acesa, na coroa do Advento.
O segundo domingo desse tempo nos fala da indicação de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus; Eis o Filho de Deus” (Jo 1,29). Temos aí um paralelo com a Epifania que acabamos de celebrar. Nela, havíamos contemplado os reis magos, representantes das três raças conhecidas naquele tempo (negra, branca e amarela), sendo guiados pela Estrela guia até o Cristo Senhor. Se a estrela aponta, João Batista indica: “este é o Filho de Deus” (Jo 1, 34). A exemplo dos reis magos, somos orientados a nos dirigir a Jesus para nele encontrar inspiração. Seu modo de ser será, como predissera o profeta Isaías, luz para todas as nações (Cf. Is 49, 6)!
Ao apontar Jesus como Cordeiro de Deus somos transportados à história do povo de Deus em sua saga no Egito. A menção do animal nos remete à páscoa judaica. Na noite em que sairia rumo à terra da libertação, o povo de Israel foi orientado a sacrificar um cordeiro, cujo sangue deveria ser aspergido sobre as ombreiras das portas das casas (Ex 12,3-6). Este seria o sinal de que os filhos de Israel seriam preservados da passagem do anjo exterminador. “Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora quando eu ferir a terra do Egito (Ex 12, 13-14).
O Cordeiro de que fala João Batista é capaz de nos levar a outra passagem (Pesah/Páscoa), não mais aquela da terra da escravidão (Egito) para a terra da libertação (Palestina), mas de uma passagem de práticas de subjugação, humilhação e espoliação a práticas de emancipação, dignificação e solidariedade entre os povos das mais diversas nações, ou seja, de práticas de sujeição a práticas de liberdade.
Mais tarde, o apóstolo Paulo dirá: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5, 1). É isso o que João Batista pretende dizer a respeito de Jesus: Ele é aquele que nos revela o modo de Deus reinar (Reino de Deus) e por causa dessa revelação será capaz de se sacrificar e se deixar imolar pela morte de cruz. Esse “reinado” é bem diferente da maneira como nossos governantes agem; eles subjugam, humilham, destroem, corrompem para se manter no poder. Deus reina libertando.
Jesus nos revela, assim, não um modo de ascender ao poder, mas um modo de exercer o poder que leva à verdadeira vida, não à morte: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Ego sum via, veritas et vita)” (João 14,6). Ele nos aponta uma forma de nos conduzir e de conduzir as coisas que estão sob nossa responsabilidade, de modo que seu resultado seja vital, e não mortal. Trata-se de um caminho no sentido de conduta. Jesus nos revela um modo de ser, uma forma de conduta que prima pela verdade, ou melhor, pela veracidade.
O que temos visto no Brasil é justamente o contrário: desgoverno, morte, mentiras. Como nos fazem falta governantes verazes! A forma como Jesus se apresenta ao mundo – e é reconhecido pelos três reis magos e por João Batista – não encontra eco no congresso brasileiro. Embora sempre coloquem a bíblia sobre a mesa, embora falem muito de Deus, os que nos governam baseiam sua conduta no engodo, na mentira e nos interesses mais escusos.
Ouço sempre dizer que o povo vota mal. Discordo. O povo faz, sim, o discernimento, procura refletir sobre quais candidatos têm as melhores condições para governar. O grande problema é que os candidatos não são verazes, não dizem o que vai em seus corações. Mentem e levam o povo a colocar no poder pessoas cuja conduta que não é condizente, eticamente falando, com o cargo que pretendem ocupar. O que fazer frente a essa sombra que paira sobre nossas cabeças e parece penetrar cada canto de nossa casa, do quarto em que dormimos?
Para os cristãos, há uma esperança: reavivar o modo de ser do mestre de Nazaré, estabelecendo esse pacto de veracidade que tem em Jesus sua fonte de luz. Enquanto tantos estão perdidos, há em seu meio a verdadeira luz. A liturgia católica proclama na vigília pascal: a lâmpada para nossos pés e a luz para nossos caminhos é o Cristo Jesus. Ele é a nossa esperança. O papa Francisco tem falado incansavelmente que ele próprio não é o reformador da Igreja – no máximo, é o reformador da Cúria Romana, governo central da Igreja. O grande Reformador é Cristo Jesus. Como bom jesuíta, o pontífice quer colocar Jesus no centro, não ele. Toda e qualquer instituição que se quer cristã deveria fazer o mesmo.
E aí lembramos a vocação confessional do Centro Universitário Assunção – UNIFAI: adesão aos valores cristãos, aos valores anunciados pela Estrela guia e por João Batista que apontam para o Filho de Deus. Enquanto instituição católica, o UNIFAI, sem proselitismo, assume a missão de manter viva essa chama, de formar profissionais que se inspirem no modo ser do mestre de Nazaré.
Sendo assim, precisamos transformar numa verdadeira festa de Natal cada dia do ano que se inicia. O Natal não pode ser a festa de um dia apenas. Nesse dia, tendemos a deixar aflorar nossa sensibilidade, tendemos a ser mais solidários, nos reunimos mais, festejamos. Por que não sermos assim todos os dias? Se o espírito de Natal percorrer cada segundo do ano que aí está, tenho certeza de que ultrapassaremos mais facilmente esses tempos sombrios.
Precisamos firmar pactos sociais com pessoas verazes, aquelas que têm os mesmos princípios que nós, que são capazes de dar igual testemunho, que buscam harmonizar aquilo que dizem e pensam com aquilo que efetivamente fazem. Para transformarmos o mundo que temos hoje, não há outra saída, outra forma a não ser a de tomarmos para nós essa tarefa e a estendermos ao longo de todo ano.
Aos que ingressam ou regressam ao UNIFAI: “Um Feliz Natal a cada dia neste ano que se inicia!”
Reitor Prof. Dr. Pe Edelcio Ottaviani
São Paulo, 20/01/2017
Profª. Drª. Karen Ambra
Reitora do Centro Universitário Assunção