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Conto, com a Reitora

Inspire-se hoje, transforme-se amanhã

Futuro transformado: da alfabetização, aos 18 anos de idade, à docência no Ensino Superior.

 

A vida foi minha amiga.
Vera Lucia de Jesus

 

Já bem perto do Natal, pensando na celebração que se aproxima, pelo nascimento do Deus menino, vindo ao mundo para suscitar a igualdade, a justiça social, o amor e, também, considerando o sentimento de esperança que se intensifica nesta época, é que escrevo o último texto de 2021 da seção “Conto, com a Reitora”.

A história, contada aqui, diz respeito à superação por meio do ensino. Senti-me muito inspirada quando dela tomei conhecimento, por demostrar que decisões tomadas no presente vão esculpindo o futuro e durante a trajetória de vida, doses de fé, determinação e esperança são fundamentais.

Quem está no centro desta narrativa é uma mulher de uma tenacidade ímpar. Eu a conheço como Verinha, sempre a chamei assim em nosso convívio no Centro Universitário Assunção. Ela leciona no curso de Administração e em cursos de pós-graduação e está no UNIFAI há 16 anos. Mais precisamente, nele completará 17 anos no dia 3 de março de 2022.

Muitos se referem a ela como Professora Verinha, que é uma garota – aos meus olhos –, prepara bolos deliciosos, está sempre sorridente, estende os braços para ajudar, tem um sorriso largo para acolher, uma voz firme (mas delicada) para orientar, anos de experiência profissional para ensinar, vivências para aconselhar e vitórias para encantar.

Vera Lucia de Jesus nasceu no dia 28 de julho de 1950, mais precisamente num antigo quilombo, o “Curralinho dos Paula”. Foi registrada em Resende Costa, município de Minas Gerais. Aos 6 anos de idade, seu pai conseguiu trabalho na fazenda “São Judas Tadeu”, no Vale do Paraíba, em Santa Isabel- SP, onde passou a morar. Com apenas 11 anos, começou a trabalhar como empregada doméstica na casa dos donos da fazenda em Guaratinguetá. Por lá ficou apenas 5 meses, em razão do seu raciocínio crítico e posicionamento firme. Sobre esta passagem de sua história, em meio a risadas, Verinha relatou que “durou pouco [a permanência naquela casa] por eu ser malcriada, então fui devolvida!”. O motivo da “devolução” foi não ter repetido a limpeza do fogão; afinal, já havia cumprido a tarefa. “Ela [a patroa] que a fizesse, não lavaria de novo!”.

Aos 13 anos de idade, no dia 21 de abril de 1964, Verinha foi a São Paulo, levada pela proprietária de uma chácara vizinha à fazenda, para trabalhar em sua casa. Nessa família de classe média, permaneceu durante 10 anos. Não frequentou a escola até os 17 anos.

Embora tivesse tomado as primeiras lições na infância, numa escola de Santa Isabel, e as letras do alfabeto fossem conhecidas, a junção delas ainda não tinha sido compreendida de modo que possibilitasse o domínio da escrita e a leitura efetiva, mas gostava de brincar de escolinha com a sobrinha da patroa, Valéria, de 9 anos. A pequena criou a escola fictícia “Grupo Escolar Marchezini”, deu um caderno para Verinha e a fazia copiar, o que ampliou o repertório e a familiaridade com a escrita da sua “aluna”.

Um dia, servindo café, ouviu a sobrinha (da patroa), que tinha ingressado no curso de Pedagogia da Universidade de São Paulo, dizer que ia lecionar – como parte da formação – na escola Visconde de Itauna. Verinha, entre curiosa e empolgada, perguntou se adulto poderia estudar. A moça respondeu que sim. Em 1967, Verinha ingressou nessa escola e, aos 17 anos, se tornou aluna de Marcia Meire Bignardi, com 1 ano a mais de vida. A professora convidou a estudante para frequentar a sua casa, aos sábados e, num belo dia, na beira da Via Dutra, Verinha reconhece, num outdoor, a marca Firestone. Surpresa, descobriu que sabia ler, aos 18 anos de idade.

Interessada pelos estudos, prosseguiu, ingressando no (antigo) ginásio, no Colégio Estadual José Maria Pires de Aguiar. Terminado este segmento de ensino, queria prosseguir para o (antigo) colegial, mas aos 22 anos, segundo uma Portaria baixada pela então Secretária da Educação do Estado de São Paulo, Esther de Figueiredo Ferraz, estava impedida de se matricular por ter mais de 20 anos de idade.

A sensação de que a vida escolar tinha se encerrado durou até o dia em que os olhos de Verinha repousaram sobre uma mesa da casa onde era empregada, e nela uma notícia do Jornal Folha de S. Paulo chamou a sua atenção por anunciar que a Portaria da Secretaria da Educação era inconstitucional. “O que aquilo significava?”. O questionamento deu origem à sua consciência política. Por intermédio da Professora Márcia, conheceu o diretor do sindicato dos professores e de acordo com uma decisão favorável da justiça prestou Vestibulinho, foi matriculada no Colégio Gualter da Silva e, mais tarde, se formou.

Posteriormente, Verinha ingressou num grupo de jovens da Igreja São José no Ipiranga e fez amizade com os padres redentoristas. Cyro Garcia, um dos seminaristas que orientava os jovens na igreja, recomendou que ela deixasse de ser empregada doméstica, pois enxergava outras possibilidades para aquela jovem inteligente. “Tome coragem”, ele dizia a ela. O passo seguinte foi trabalhar para os padres redentoristas e deles recebeu ajuda para conseguir o primeiro emprego com carteira registrada: na Clínica Infantil do Ipiranga. Sua memória era tão boa que sabia o nome de uma medicação pelo número do seu arquivo.

Também no grupo de jovens conheceu o tesoureiro da Faculdade São Marcos que prometeu apresentá-la à Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga, caso fosse aprovada no processo seletivo, o que ocorreu em 1976. Laura Prestes Barra, encantada pela história da menina, concedeu, pela Fundação, uma bolsa integral para que estudasse Pedagogia. Contudo, o dono da clínica incentivou sua transferência para o curso de Administração, e sua bolsa foi mantida.

Da clínica, passou a trabalhar no Banco Mercantil de São Paulo onde permaneceu de 1977 a 1982. De 1983 a 1995, trabalhou em três grupos de medicina e foi na última empresa, a Intermédici, onde implantou um sistema de qualidade: o primeiro a receber o cobiçado selo de qualidade.

Nesse interim, voltou a fazer Pedagogia porque tinha o desejo de ser professora, mas desta vez ingressou no UNIFAI e se formou em 1988. Realizou também o curso de pós-graduação em Administração Hospitalar no Centro Universitário São Camilo.

Em fevereiro de 1990, tendo sido indicada por uma colega do curso de Administração, que até hoje é sua amiga, a Professora Maria Esmeralda Ballestero, assumiu, durante um semestre, em contrato de trabalho determinado, as aulas da disciplina de TGA (Teoria Geral da Administração). No entanto, foi efetivada por um ex-professor e diretor da Instituição (que lembrava dela pela presença política marcante na sala de aula de Administração) e permaneceu até 2009. E foi então que o desejo acalentado por tanto tempo se realizou: exercer a docência no Ensino Superior. Verinha continuou estudando, concluiu o curso de Psicopedagogia e também a especialização na área de Administração em Recursos Humanos.

No Centro Universitário Assunção, tendo seu currículo levado por um querido vizinho, Prof. Sidnei Proetti, foi contratada para ministrar as disciplinas de Teoria de Administração e de Recursos Humanos nos (já extintos) cursos sequenciais. Na entrevista e após aula demonstrativa foi a ela questionado: “Você pode começar a dar aula na semana que vem?”. Apesar do “frio na barriga”, Verinha aceitou e no ano seguinte já era professora no curso de Administração.

A trajetória da querida Verinha evidencia que quando o futuro é visto como incerto pode ser promissor. O futuro não precisa resultar do que esperam de nós ou do que as condições e recursos (ou a falta deles) parecem apontar. Desafiar o passado (que aponta para certas tendências e previsões) não é tarefa das mais fáceis quando, no cotidiano, os desafios teimam em testar a resistência e a resiliência. No entanto, uma vez que algumas escolhas são feitas, os caminhos vão se modificando e disparam para direções que surpreendem, por vezes superam expectativas e se evidenciam em desfechos além do previsto e até do desejado. Assim sendo, que possamos flertar com um futuro promissor em 2022, ousemos nos desafiar, testar limites e extrapolar as nossas forças.

 

Um abraço carinhoso,
Profa. Karen Ambra

 

 

 

 

 

São Paulo, 23/12/2021

Imagem de uma mulher branca, cabelos lisos, sorrindo com um fundo claro

Profª. Drª. Karen Ambra

Reitora do Centro Universitário Assunção