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Conto, com a Reitora

UM ÓTIMO PRESENTE DE NATAL PARA O MENINO DEUS!

Chegamos a mais uma celebração natalina preocupados com tantas demandas urgentes em nosso País, e uma delas mereceu destaque na minha última palavra com vocês, quando fiz um apanhado dos muitos motivos que levaram à falência o ensino brasileiro. Confirmada recentemente por duas importantes pesquisas, vale a reflexão: o que está sendo feito diante desses números? Muito pouca coisa, e geralmente por iniciativa de Organizações Não Governamentais (ONGs). Aliás, mal sai algum resultado desolador e as reações dão espaço à simples retórica. Muitos dizem “algo precisa ser feito”, como se o simples fato de divulgar o problema fosse suficiente para mudar a realidade.

Pegar esses números e ver de que maneira podemos, na prática, transformá-los, tem sido um dos meus grandes desafios como reitor do UNIFAI, pois sei a imensa responsabilidade de uma instituição católica no sentido de oferecer educação, especialmente aos que têm mais dificuldades de acesso a ela.Precisamos estar atentos às oportunidades de intervenção, ao invés de ficarmos à espera de políticas quase sempre equivocadas por parte do poder público.
No começo deste ano de 2017, assumi um novo trabalho pastoral na capela Imaculado Coração de Maria, situada no antigo terreno pertencente à empresa Linhas Correntes. Eu o realizo aos finais de semana nessa comunidade, situada na região de Vila Prudente, salpicada de construções clandestinas. Tão logo iniciei o trabalho, percebi que a música seria um importante canal de interação com suas crianças e adolescentes. Não estava enganado; nem bem anunciei o começo das aulas e vieram dez alunos interessados em aprender violão. Pessoas bondosas doaram ou emprestaram os instrumentos, estantes e material de teoria e prática musicais.

Alguns meses depois, outras crianças procuraram o curso e montei nova turma com os recém-chegados. Entre estes estavam dois irmãos, de 8 e 9 anos, que não conseguiam aprender os nomes das notas musicais - a primeira lição era sobre o nome das cordas. Ao tentarem ler os nomes na lousa, tinham dificuldade de unir as consoantes às vogais. O mais novo lia “má” ao invés de “mi” e o mais velho tinha dificuldade de ler o nome da terceira corda do violão: “sol”. Simplesmente não conseguia unir o som do “s” ao do “ol”.
Percebi que, além da música, em alguns casos, seria preciso iniciar um trabalho urgente de reforço escolar com aqueles meninos – e fui ao Pólo Educacional, que se ocupava deles fora do período escolar, para tentar entender o porquê de essas crianças, que já se encontravam na terceira série do ensino fundamental, não conseguirem unir sílabas tão elementares. Constatei ali mais um caso do dano da tal progressão continuada, adotada sem o necessário acompanhamento das crianças com dificuldades de aprendizado.

Perguntei sobre a família. A mãe está à espera do quinto filho, deixando os meninos mais ou menos à deriva. Aliás, estes iam sozinhos ao Pólo, anexo à comunidade paroquial. Para minha surpresa, disseram-me que não havia muito o que fazer em termos de reforço escolar. Como se trata de instituição subvencionada em parte pela Prefeitura, não é permitido às educadoras do projeto ministrar o reforço escolar. A lei não lhes permite aplicar mais do que brincadeiras educativas. Alfabetizar nem pensar, pois os funcionários não são pedagogos e uma lei municipal, que trata de reforço escolar, exige a presença de profissionais capacitados para tal função.

Foi aí que pensei no quanto nossos cursos poderiam ser úteis à comunidade. Com professores do Curso de Direito procurei por brechas na legislação que nos permitissem pensar alternativas a tal impedimento. A lei sempre tem brechas e temos de pensar em como utilizá-las em favor dos mais pobres. Jesus realmente tinha razão: “os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz” (Lc 16,8), pois quantas brechas encontram nossos políticos corruptos para fugirem da prisão!

Com a coordenadora do Curso de Serviço Social, Profª Alessandra Medeiros, soube que a legislação municipal possui um decreto possibilitando a agregação de profissionais competentes aos projetos sociais, mediante o contrato de voluntariado. Além disso, ela se prontificou a realizar no próximo semestre um trabalho com a família desses meninos, para conhecê-la melhor e identificar o tipo de intervenção capaz de melhorar a qualidade de vida dessas crianças.

 Sobre os métodos e técnicas pedagógicos, expus o problema à professora Valéria Batista, do curso de Pós-Graduação em Alfabetização e Letramento. Rapidamente ela se prontificou a auxiliar os educadores na elaboração de jogos visando ao aprendizado das sílabas e leituras no regime de reforço escolar. 

Este é um bom exemplo de como o saber produzido em uma Instituição de Ensino Superior (IES) se estende até a periferia, completando o tripé que deve caracterizar centros universitários e universidades, respeitadas as respectivas atribuições: “ensino, pesquisa e extensão”. Precisamos criar cada vez mais uma malha que nos permita unir as duas pontas e dar respostas às demandas por uma melhor educação. Estar atento a essas lacunas no ensino de nossas crianças e adolescentes é tarefa de todo aquele que, a exemplo de Jesus, se deixa tomar pela compaixão, mas não apenas se compadece, mas parte para ações que visem à transformação social.

Aos pais, ricos e pobres, sugiro algo simples, mas de um efeito multiplicador grandioso como poucos: repensar seus momentos de lazer, oferecendo a si próprios e aos filhos o contato com o esplêndido mundo dos livros. Estendo este conselho também a todos vocês que compõem a família UNIFAI. Pesquisas mostram que o brasileiro está lendo cada vez mais menos, um contra-senso se levarmos em conta as enormes possibilidades que esses tempos de alta tecnologia nos oferecem, com os livros digitais, downloads gratuitos, etc.

Como sacerdote, nutro a esperança de que a Igreja Católicaretome com urgência o carisma das antigas congregações religiosas, que se dedicavam ao ensino de crianças órfãs, mas que, ao longo tempo, acabaram se transformando em escolas dedicadas às elites. Quem sabe não tenha chegado o momento de retomar o carisma de seus fundadores e os ideais das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que tanto contribuíram para a educação cidadã de crianças, jovens e adultos. 

Como pede o papa Francisco, é tempo de a Igreja sair ao encontro das periferias existenciais. Diante da extrema precariedade de nossas escolas públicas, é preciso que os cristãos atentem radicalmente para o que Jesus pregou e viveu: olhar para os esquecidos, para os mais necessitados, nas suas mais urgentes necessidades. A educação é uma delas! Quem sabe o mesmo possa ser feito por outras igrejas que procuram ser fieis aos ideais evangélicos. Não seria esse um ótimo presente a oferecer a Jesus na Noite de Natal?

Reitor Prof. Dr. Pe Edelcio Ottaviani

São Paulo, 14/11/2017

Imagem de uma mulher branca, cabelos lisos, sorrindo com um fundo claro

Profª. Drª. Karen Ambra

Reitora do Centro Universitário Assunção