Conto, com a Reitora
Uma educação curvada aos ditames do mercado
Início de mais um semestre e as últimas notícias nos deixam apreensivos com o que se pode esperar em termos de educação nos próximos anos em nosso País. Neste retorno de férias, minha ideia era dar as boas-vindas aos alunos novos, aos veteranos, aos professores, coordenadores e funcionários em clima de muita alegria, mas, confesso, estarei mais contido, pois as mais recentes pesquisas sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e determinações do Ministério da Educação tornam cada vez mais difícil manter o otimismo.
Nosso País desaba no PISA (Programme for International Student Assessment – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) – exame internacional com alunos de 15 e 16 anos de idade de 70 países. A prova é realizada a cada três anos. A última, em 2015, mostrou o Brasil na 63ª posição em matemática, 58ª em leitura e 65ª em ciências. Mas neste assunto sobre as razões e as consequências da baixa qualidade das escolas voltarei em breve.
Hoje quero mostrar a vocês por que insisto em minhas críticas de que temos no Brasil uma educação submetida aos interesses do mercado, das grandes corporações, e como isso tem prejudicado as instituições, vocês, alunos, e contribuído para esse descalabro em uma área de vital importância para o futuro de nossa nação.
Vejam: em 2015, o CNE (Conselho Nacional de Educação) firmou uma resolução com novas diretrizes para os cursos de formação de professores, ampliando de três para quatro anos a duração das licenciaturas. A principal justificativa é a necessidade de melhor formação com a oferta de maior conteúdo relacionado às práticas específicas de docência.
As regras passariam a valer em 2017, mas foram adiadas por um ano a pedido do MEC. O UNIFAI, e creio que também as instituições igualmente comprometidas com a qualidade e em consonância com as regras do órgão máximo do ensino no País, deu início à reformulação de seus projetos institucionais e político-pedagógicos para responder à nova resolução. Foi uma corrida contra o tempo. O prazo final para implantação do novo modelo seria o início de julho de 2018.
Qual não foi a surpresa quando, às vésperas da data-limite, o Governo volta atrás e pede novo adiamento sem previsão de data para as mudanças. As autoridades da área apenas se esqueceram de dizer como ficam as universidades que, para não correrem o risco de punição pela perda do prazo, adequaram sua matriz curricular, reviram o quadro de docentes e a estrutura física e pedagógica e se prepararam para receber os alunos por mais tempo.
E agora? Preparar a instituição para atender à resolução implicou uma série de mudanças, afinal, as graduações de licenciaturas (exigidas para professores do ensino fundamental – do 5º ao 9º anos – e do ensino médio) passariam a ter pelo menos 3.200 horas, e não mais 2.800 horas. Além disso, conferir um foco maior em atividades práticas e interdisciplinares exigiu repensar estratégias em termos de conhecimentos didáticos, metodologias e práticas de ensino próprias à formação de docentes.
Restam-nos muitas perguntas. Por que o adiamento se deu apenas às vésperas da data para a entrada em vigor da resolução, prejudicando as escolas que correram contra o tempo para a adequação, cientes de que dificilmente se obteria mais um adiamento? Um olhar mais atento nos deixa perceber quem está por trás de mais essa decisão atabalhoada do Governo.
Só posso pensar que as entidades que representam as faculdades privadas e defendem os interesses dos grandes grupos educacionais devem ter pedido o adiamento, alegando que é necessário mais tempo para que as regras sejam rediscutidas. Os dirigentes das instituições federais argumentam que não houve tempo para as faculdades se adequarem. Muito me espanta esta afirmação. Se centros universitários privados como o nosso, sem o grande aporte de capital estrangeiro e sem visibilidade na mídia, conseguiram, qual a razão para que as IES federais e estaduais não as tenham realizado a tempo, uma vez que são tidas como as melhores em competências e habilidades pedagógicas? Estaria então em xeque sua competência? Para o MEC chegar a essa decisão, foi feito algum levantamento para saber as razões efetivas de tal protelação?
Com um atraso surpreendente, o governo se dá conta de que “não faz sentido ampliar as licenciaturas agora porque não há a definição da Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio”. Mas se as propostas da Base lançadas posteriormente à definição das regras constantes na resolução – e antes de seu primeiro adiamento –, por que só agora é que se descobre que ela precisa ser contemplada nos currículos das formações dos professores e que as principais mudanças da resolução precisam estar alinhadas às propostas da reforma do ensino médio, que ainda carecem de análise pelo CNE?
Não há consenso sobre a plausibilidade da decisão nem mesmo entre os membros do CNE. Comenta-se até o que já é perceptível em nosso meio – que mais uma vez, o governo cedeu à pressão dos grandes players do mercado. Esta é apenas mais uma das muitas decisões equivocadas que deixam transparecer o tamanho do descaso do governo em suas políticas públicas de educação, seu contrassenso em punir quem cumpre as diretrizes e os prazos e o fato de nossa educação estar cada vez mais curvada aos ditames do mercado! Às vésperas das eleições, expurgar da política aqueles que dão assentimento a essas práticas equivocadas pode ser um bom começo e uma razão consistente para aqueles que almejam votar com consciência!
Reitor Prof. Dr. Pe Edelcio Ottaviani
São Paulo, 05/08/2018
Profª. Drª. Karen Ambra
Reitora do Centro Universitário Assunção